A Cachorra – Pilar Quintana


Ser mulher, mãe, esposa, gerar, cuidar, carregar dentro de si o indomesticável, ser então Damaris. Conduzindo a narrativa por essa personagem, Pilar Quintana oferece ao leitor uma narrativa afiada, crua, certeira, sobre uma maternidade parecida inalcançável para essa personagem, por isso seu sentimento de incompletude.

Na angústia gerada por um casamento infeliz, Damaris parece desconectada de uma experiência de vida pelo fato de nunca ter conseguido ser mãe. Ao pegar uma pequena cadela para criar - e dar a ela o nome que daria a sua filha que nunca nasceu - essa personagem envereda por um labirinto de possibilidades, numa constante quebra de expectativas com a rebeldia desse pequeno ser que, crescendo, se torna cada vez mais "rebelde", desafiando o amor que Damaris lhe dedicara até ali.

A Cachorra é um romance que explora essa nuance da maternidade através da relação entre Damaris e essa pequena filhote, ambas abandonadas, uma sem mãe, outra sem filha. Desenvolvido tanto no espaço real quanto no cenário psicológico da personagem, o livro se desnuda diante do leitor página a página, convidando-o a mergulhar na história pelas brechas que precisam ser preenchidas com as próprias questões de cada um.

Há muitas questões no livro, que é curto, mas nem por isso menos intenso e profundo. Degustativa, mesmo rápida, a história carece de uma atenção aos detalhes, coisas que não são ditas, apenas percebidas ao longo da leitura. Os capítulos curtos ajudam na fluidez e, embora haja determinados personagens tão aversivos, é fácil entender suas próprias subjetividades e humanidades. A experiência de cada leitor será diferente, dependendo sob que olhar ele lê e percebe a história, pois tão convidativa ela é a ser sentida nas próprias particularidades que contém em si.

Damaris é uma personagem repleta de vazios e isso é interessantíssimo para compor sua complexidade. Protagonista, ela vêm ao leitor cheia de contradições, ora levando-nos a amá-la, ora a repelir suas atitudes frente a certas atitudes. Há uma imensidão dentro dela, precisando nós sabermos como alcançar cada pedaço.

Recomendadíssimo. Gosto de dizer que é o livro curto que se estende dentro de nós todas as vezes que nos pegamos pensando nele. Literatura colombiana, transcrita também neste espaço, em um cenário de mar, floresta e de muita intimidade.
Boa leitura!
Desde muito cedo, a vida de Damaris é marcada por tragédias e, apesar da companhia de Rogelio, carrega uma solidão que talvez tivesse sido aplacada pelo filho que nunca conseguiu ter. Cuidar da casa de veraneio há muito abandonada pela família Reyes ocupa seus dias, alivia sua consciência pelo que sente ter sido omissão sua no passado, mas nada disso lhe traz conforto.

Quando, num rompante, decide adotar a cachorra da ninhada de uma vizinha, Damaris tem a chance de desviar um pouco o foco das tentativas frustradas de engravidar. A fêmea que agora circula pela casa modesta faz aflorar instintos protetores e violentos, emoções díspares e profundas que supostamente só poderiam ser despertadas pela maternidade. A força e a intensidade dessa relação alteram tão drasticamente as dinâmicas de sua existência que Damaris já não sabe se a simples presença da cachorra fez sua vida ganhar ou perder, de uma vez por todas, o rumo.


3 comentários

  1. Esse livrinho tem mexido com muitas estruturas desde seu lançamento. Eu já tive vontade ler, já tive medo de ler rs
    Mas penso que seja o tipo de leitura sim, que se estenda por nós, pelo que transmite, pelo que fica e que refletimos.
    Não deve ser fácil.
    Mas mesmo assim, quero ler!!!
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor

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  2. SAbe Ronaldo, acredito que o tema do livro, traz ao leitor suas próprias vivências na vida e aí está o ponto crucial, porque cada um terá sua própria sensibilidade em relação ao livro e isso é o mais fascinante.
    Deve sr uma experiÊncia única.
    cheirinhos
    Rudy

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  3. Olá! Foi inevitável não lembrar de um ou dois casos bem parecidos como esse da Damaris, por isso, sem dúvida essa é mais uma daquelas leituras que te deixam arrebatadas, daquelas que te destroem, mas ao mesmo tempo te inspiram, ou seja, leitura de primeira e necessária.

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