Todos nós adorávamos caubóis – Carol Bensimon

Todos nós adorávamos caubóis é uma roadtrip pelo interior do Rio Grande do Sul, cuja narrativa é, ao mesmo tempo, conduzida por fora e por dentro. Pela geografia do estado e pela demarcação das fronteiras dos afetos. É, sobretudo, um romance sobre a busca incansável da protagonista, do seu lugar no mundo, do que deixou no passado e do que, porventura, determinaria seu futuro.

Através de uma prosa simples e sofisticadíssima, Carol Bensimon convida o leitor a embarcar nessa viagem ao lado de Cora, sua narradora, e Julia, sua “amiga, quero ter um caso com você”. O enredo é pautado, basicamente, nessa viagem que elas decidem fazer, que fora adiada desde a época da faculdade e agora, anos depois, finalmente pôde acontecer – por todos os descaminhos e desencontros.

A sensação que dá, página a página, é exatamente essa: a de que você está ali como um carona, um observador, um voyeur desse acerto de contas implícito entre as duas personagens centrais. A todo momento eu sentia estar ali, no banco de trás, observando como se dava esse tato entre as duas, esses momentos de quase reconciliação, essa angústia no peito.

O livro é bom, tem uma narrativa maleável que, mesmo em pouco menos de duzentas páginas, consegue cumprir essa saga sem precisar de muito mais para que os dilemas que aparecem sejam resolvidos. Não acho que as coisas foram corridas, mas acho que ambas, tanto Cora quanto Julia, mereciam um pouco mais de foco do que a própria paisagem que se desnudava em descrições.

Acho descrições ótimas e elas foram fundamentais para a construção do enredo, só que apenas até certo ponto. Achei a proposta do livro, embora simples, bastante pertinente, acho que a autora soube conduzir sua narrativa por labirintos interessantes e o próprio método de contar a história causava certo deslumbramento.

Mas eu acho que as personagens não foram tão bem aprofundadas, e isso deveu ao leitor. Desde passagens rápidas por cidades, até estadias mais longas, era incrível observar a vida desses lugares, mas eu sentia muita falta dessa questão humana das protagonistas aparecer de forma mais evidente.

Um ponto altíssimo, porém, é que, como costumo dizer, Carol tem o talento de pegar o leitor no “pulo do gato”. Como assim? É que, ela faz você querer desbravar o enredo porque as coisas vão acontecer com um gostinho de vagareza. E aqui ela fez isso muito bem, dividindo sua narrativa entre idas e vidas, em um romance que acontece de trás pra frente e de frente pra trás. Minha primeira impressão era de que seria só uma história de viagem, mas aí ela ia lá e me mostrava um passado. Ela dá razões pro leitor, e acho isso fundamental em qualquer obra.

Espero que vocês tenham a chance de ler e tirar suas próprias conclusões. É uma leitora que, embora, por vezes, careça de um preenchimento, tem seu mérito tanto de enredo quanto de narrativa. Recomendo!

Boa leitura e até semana que vem.

Cora e Julia não se falam há alguns anos. A intensa relação do tempo da faculdade acabou de uma maneira estranha, com a partida repentina de Julia para Montreal. Cora, pouco depois, matricula-se em um curso de moda em Paris. Em uma noite de inverno do hemisfério norte, as duas retomam contato e decidem se reencontrar em sua terra natal, o extremo sul do Brasil, para enfim realizarem uma viagem de carro há muito planejada. Nas colônias italianas da serra, na paisagem desolada do pampa, em uma cidade-fantasma no coração do Rio Grande do Sul, o convívio das duas garotas vai se enredando a seu passado em comum e seus conflitos particulares: enquanto Cora precisa lidar com o fato de que seu pai, casado com uma mulher muito mais jovem, vai ter um segundo filho, Julia anda às voltas com um ex-namorado americano e um trauma de infância.
Todos nós adorávamos caubóis é uma road novel de um tipo peculiar; as personagens vagam como forasteiras na própria terra onde nasceram, tentando compreender sua identidade. Narrada pela bela e deslocada Cora, essa viagem ganha contornos de sarcasmo, pós-feminismo e drama. É uma jornada que acontece para frente e para trás, entre lembranças dos anos 1990, fragmentos da vida em Paris e a promessa de liberdade que as vastas paisagens do sul do país trazem. Um western cuja heroína usa botas Doc Martens.

3 comentários

  1. Título e capa maravilhosos, mas nunca iria imaginar que um título assim, trouxesse um enredo deste jeito.
    Duas amigas, a viagem,os cenários. Sei lá, nada a ver o que vou escrever, mas me lembrei demais de Thelma e Louise, não pelo enredo no total, já que o filme é maravilhoso e sim, aprofundado demais nas personagens, mas tem isso da viagem, da gente querer ou se sentir ali, no carro..rs
    Pelo que li acima, essa é uma parte gostosa na história, viajar junto com elas.
    Pena esse não aprofundar na vida de fato das duas. Mas mesmo assim, se tiver oportunidade, quero muito conferir.
    Viva nossa literatura nacional!!!
    Beijo

    Rubro Rosa/O Vazio na flor

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  2. Ronaldo!
    Assim, para eu poder entender corretamente toda a história de um livro, necessito que a personalidade das personagens sejam mais explícitas e por esse lado, acredito que a autora pecou um pouco, mas... como gosto de uma boa viagem, de saber que as paisagens e conflitos foram bem explicitados, acredito que vale uma leitura.
    cheirinhos
    Rudy

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  3. Olá! O que mais me encanta nessas histórias é a oportunidade de conhecer um pouco mais do nosso país, adoro quando os autores nos presenteiam dessa forma. Deve ser bem interessante acompanhar todo esse desfecho na “carona” dessa viagem tão necessária para descobertas, acertos de contas e quem sabe a busca pelo final feliz!

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