A palavra que resta – Stênio Gardel


A palavra que resta
é um romance de estreia primoroso: sensível, bonito, comovente e, acima de tudo, potente e único. Com uma habilidade de quem conhece o íntimo das palavras, de quem sabe tocá-las com o necessário para fazê-las acontecer diante do leitor, Stênio Gardel nos convida a acompanhar a saga de Raimundo, que já em idade avançada decide aprender a ler e escrever.

Movido por um “sonho secreto”, ele começa a frequentar a escola e o mundo parece esticar para abraçá-lo. Mas quais são as implicações? O que lhe resta, depois de uma vida inteira, nas paredes de uma sala de aula? No ato de pegar um lápis e desenhar letras no papel? Na percepção de saber lê-las, de dar-se conta disso?

A narrativa é intencional, quer provocar no leitor a angústia vivida pelo personagem, que é movido, o tempo inteiro pelo desejo antes irrealizado: ler uma carta, uma última e única carta escrita para ele por Cícero, seu primeiro e grande amor.

Ágil, mas denso, o enredo impacta por todas as nuances e arestas. Apesar de não alcançar as 200 páginas, a sensação que causa é de que, nas mais habilidosas mãos, até as histórias comprimidas abrem-se para encontrar significados grandiosos. Prova-se aqui a máxima do livro “rápido de ler” e “longo” de esquecer.

Resta-nos então a palavra. Para nós e para Raimundo, que a busca com uma sede memorável. O romance desliza pelas palmas, o ‘modo de fazer’, leva o leitor para inúmeros lugares dentro dos cenários, externos e internos. Do presente ao passado, da terceira à primeira pessoa, do fluxo de consciência... tudo subverte-se para encontrar o tom certo. E encontra.

De certa forma é também um livro triste. Ao revistar seu passado, Raimundo também revisita as dores da repressão de sua sexualidade, da sua fuga de si mesmo, do seu amor deixado para trás. E como toda boa história de amor, vivenciamos a descoberta, o drama, sentimos a ingenuidade e, convidados dessa forma, somos também movidos por aquele desejo que impulsiona esse personagem, tão próximo e primoroso.

Diria que A palavra que resta precisa ser lido por todos. Conhecido. Divulgado. Compartilhado – pelas experiências que cada leitor terá com ele. Que será única. Que será especial.

Boa leitura!

Aos 71 anos, Raimundo decide aprender a ler e a escrever. Nascido e criado na roça, não foi à escola, pois cedo precisou ajudar o pai na lida diária. Mas há muito deixou a família e a vida no sertão para trás. Desse tempo, Raimundo guarda apenas a carta que recebeu de Cícero, há mais de cinquenta anos, quando o amor escondido entre os dois foi descoberto. Cícero partiu sem deixar pistas, a não ser aquela carta que Raimundo não sabe ler – ao menos até agora.

Com uma narrativa sensível e magnética, o escritor cearense Stênio Gardel nos leva pelo passado de Raimundo, permeado de conflitos familiares e da dor do ocultamento de sua sexualidade, mas também das novas relações que estabeleceu depois de fugir de casa e cair na estrada, ressignificando seu destino mais de uma vez.



3 comentários

  1. Acredito que seja um livro fascinante de ler.
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    Uma semana feliz. Cumprimentos poéticos.
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    Pensamentos e Devaneios Poéticos
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  2. Ronaldo!
    Tão bom ver um livro sensível, escrito por mais um nordestino, contando uma história de'amor', guardado por 50 anos, através de uma carta. E ainda que estimula o protagonista com 71 anos aprender a ler e escrever para poder ler a carta.
    cheirinhos
    Rudy

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  3. Olá! Uau, acho que faltam palavras para descrever a potência dessa resenha e o quanto, apenas ela, já conseguiu nos tocar de maneira ímpar, fiquei para lá de interessada na leitura ainda mais por trazer tanta sensibilidade ao tema abordado, vai ser incrível ler essa carta junto com o seu Raimundo.

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