Ponciá Vicêncio é Conceição Evaristo em sua prosa crua e visceral, desnuda e estancada, doce, singela e tão simples quanto elaborada. Através da personagem que dá nome ao livro, a autora, aos moldes de um quase romance de formação – se não o for – traça o panorama da vida de uma jovem cheia de inquietações, saudades e lacunas.
Através um narrador onipresente e onisciente, as vivências de Ponciá vão se dando à medida que sua própria vida vai acontecendo: seu olhar sobre o pertencimento da família, suas revoltas contidas, seu olhar lânguido e sua forma de observar o mundo pela perspectiva de quem pouco tem por isso resiste. Resiste para não perecer.
A vida da protagonista, tão pisada em amargura e falta de afetividade, é bastante evidenciada ao longo de toda a história. O começo é, de fato, mais focado na própria Ponciá, seus medos, sonhos, silêncios. Depois, quando a própria narrativa dita outros rumos, a autora vai se fragmentando junto: temos partes que se concentram ora em seu irmão, Luani, ora em sua mãe.
O mais interessante da história como um todo é a própria maneira como Conceição Evaristo consegue escrever uma história tão bem elaborada, com personagens complexos e cheios de camadas em tão pouco espaço de páginas. Acho que é aqui, neste ponto, que a autora prova sua capacidade magistral de construir um enredo. Um enredo tão bom e importante.
Poucos autores conseguem fazer isso tão bem – agora, me vem à memória, o incrível A Hora da Estrela, de Clarice Lispector (cuja construção indagativa da personagem principal chega a traçar semelhanças com a própria Ponciá, embora se tratem de histórias completamente diferentes).
Este é meu segundo contato com a obra de Conceição Evaristo e, como no primeiro que livro que li, é possível perceber traços muito característicos em suas narrativas. Mesmo em contos e histórias curtas – como Ponciá Vicêncio – é possível notar seu apego pelos dramas humanos (principalmente de pessoas negras), sua prosa bastante elaborada e seu apego por denotar sempre o contexto no qual as coisas se dão.
Em Ponciá, especificamente, os recursos de passear pelos tempos narrativos (passado e presente) são fundamentais para entender como se deu a vida da protagonista, quais foram suas experiências determinadoras, o que a levou a fazer isto ou aquilo ou ser deste ou daquele modo. Enfim, essas idas e vindas temporais servem ao leitor como um convite a entender Ponciá e localizá-la protagonista dentro de sua própria história.
Isto para além da importância desta obra, que é fundamental para a nossa literatura de infinitas maneiras.
Leiam Conceição Evaristo. Não esperem a chance de um livro dela cair em suas mãos, corram atrás dessa chance.
Boa leitura!
A história de Ponciá Vicêncio descreve os caminhos, as andanças, as marcas, os sonhos e os desencantos da protagonista. A autora traça a trajetória da personagem da infância à idade adulta, analisando seus afetos e desafetos e seu envolvimento com a família e os amigos. Discute a questão da identidade de Ponciá, centrada na herança identitária do avô e estabelece um diálogo entre o passado e o presente, entre a lembrança e a vivência, entre o real e o imaginado.
Eu adoro esse jeito de trazer histórias como grandes cebolas cascudas e a cada página, as camadas vão sendo retiradas, umas lentamente e outras, de uma vez, sem piedade.
ResponderExcluirMesmo não conhecendo o trabalho da autora, deu para perceber que a autora traz esse grito preso na garganta sendo liberado e poetizado em forma de palavras e sentimentos.
O ser humano por si só, já é um drama completo. E não adianta negar. Uns mais, outros menos, mas esse enfatizar o sentimento de cada um é tarefa que poucos autores(as) tem. E me senti realmente lendo algo sobre Clarice!!!
Maravilhoso e com certeza, já vou querer...rs
Beijo
Ronaldo!
ResponderExcluirDevo confessar que não conheço a autora, nem o livro, porém quando uma leitura pode nos proporcionar um engrandecimento cultural inegável, não pode ser furtado de se fazer uma leitura.
cheirinhos
Rudy
Olá! Nossa, apesar de não conhecer a escrita da autora deu para perceber que esse livro é daqueles que te marcam para sempre. A resenha aguçou (e muito) a necessidade de se jogar nessa leitura, que parece ser bem diferente das que eu ando fazendo ultimamente, o que é mais um motivo para querer conhecer um pouco mais sobre a história, a autora e o mais importante de Ponciá Vicêncio que remete a vida de milhares e milhares de brasileiros.
ResponderExcluirOlá! ♡ Confesso que ainda não conhecia a autora, mas depois de ler sua resenha, sinto que preciso conhecer suas obras o mais breve possível.
ResponderExcluirGostei demais que ela escreve com propriedade sobre os dramas humanos, que são muitos, o que gera identificação, pois nós seres humanos somos tão complexos, sofremos, aprendemos com as circunstâncias, somos cheios de dramas, alguns em maior escala outros em menor.
Imagino o quanto de sentimento, emoção, a obra tem, o quão cheia de humanidade ela é. Parece uma leitura marcante, que toca, emociona, em que nos vemos apegados a protagonista, sofremos com ela, nos emocionamos com ela, sorrimos com ela, já que no livro acompanhamos a vida da personagem de perto, suas vivências, dificuldades, a maneira com a qual enfrenta a vida, vemos a realidade pelos olhos da personagem, enxergamos o mundo pelos olhos de alguém que resiste a realidade, que dificulta a vida de quem pouco tem.
Gostei demais da alternância entre passado e presente, isso de fato, nos ajuda a entender melhor a personagem, desse modo conseguimos nos conectar ainda mais com a mesma.
Conceição Evaristo parece ter feito um trabalho incrível aqui, pois criar personagens tão complexos e reais, tão verossímeis, não é para qualquer um.
Muito obrigada pela indicação, com certeza vou fazer essa leitura! Beijos! ♡