As Tumbas de Atuan - Ursula K. Le Guin

Olá pessoal, que tal voltarmos a falar hoje de uma das melhores escritoras de Ficção Científica e Fantasia do mundo? Acertou quem pensou em Ursula K. Le Guin, e o livro escolhido é a continuação de O Feiticeiro de Terramar, do ciclo TERRAMAR já resenhado por nós, trata-se de As Tumbas de Atuan, o segundo livro dessa coleção. Agora abra sua mente e vamos entender um pouco mais desse universo de magia e aventura.

Embora seja o segundo livro, a história não é, necessariamente, uma continuação do primeiro, ainda que continua a história do primeiro. Confuso? Eu explico. O primeiro livro conta a história de um garoto prodígio e promessa da magia – Ged, que por conta de suas excepcionais habilidades era muito arrogante e pagou um alto preço por isso. Nesse livro, temos a história contada pelo prisma da jovem Tenar, que passará a ser chamada de Arha, a devorada, trata-se de um título das Altas Sacerdotisas das Tumbas de Atuan, um lugar antigo onde até mesmo os primeiros deuses guardavam seus segredos. É nesse lugar que a história de Ged e Arha se convergirão.

Tenar tinha por volta dos seis anos quando foi escolhida sacerdotisa, o critério era a data de nascimento da criança, do sexo feminino, que nasceu mais próximo da morte da Alta Sacerdotisa anterior. Não era uma opção dos pais deixarem ou não, a criança deveria ser levada para essa causa maior e deveria se esquecer de todo seu passado, de quem fora um dia no mais íntimo do seu ser, aqui, entendemos que o epíteto, “a devorada”, remeta a essa ideia não apenas no contexto fantástico da história, mas também há uma crítica social. Faço essa elucubração por ser essa autora muito politizada em causas que hoje possuem tantas bandeiras comparadas aos anos setenta, quando o livro foi lançado.

Num primeiro momento o livro é morno, sendo mais uma explicação do mundo pela ótica de Tenar, ainda criança, mas ainda sim imbuído de uma percepção aguçada de sua realidade; que um mundo prático e grande fora daquela comunidade que compunha seu universo. À medida que ela cresce, ciente das responsabilidades que lhe foram atribuídas, cresce também um ar arrogante inerente ao posto ocupado por ela, embora no seu íntimo, é perceptível o conflito da personagem de quem realmente ela era e se era aquilo que ansiava fazer de sua vida. 

Os conflitos serão agudos quando ela se encontrar com Ged, o nosso herói arrogante da primeira história, que procura um anel nas Tumbas de Atuan, agora mais maduro e menos conflituoso. No primeiro livro, sua soberba o fez ser perseguido por sua sombra, seu lado negro, que o destruiria ou ele deveria destruí-la. Nessa história, mais ciente de sua condição e menos arrogante, e por vezes, muito educado, percebemos o crescimento dessa personagem.

Preciso chamar a atenção para a interação de ambos os personagens. Os conflitos dos dois jovens, quando estão perdidos num labirinto, nada mais é que uma alegoria que autora utiliza para discussões mais profundas sobre o papel dos homens e mulheres na sociedade que começam desde a adolescência. A procura do anel partido num lugar primevo é alegórico, temos de vê-lo como aliança antiga entre os dois sexos perdido há tempos. O que ambos procuram é uma unidade sem distinção entre os sexos, entre as funções, é uma união e uma convivência harmoniosa seja em nossa realidade seja no enredo fantástico.

A harmonia do pensamento de ambos vai aos poucos criando uma empatia mútua que faz você se conformar com a posição dos dois jovens. Pois no começo de suas histórias, eles são jogados nos postos que estão, não por vontade própria, e sim, pela força das circunstâncias de sua comunidade lhes obrigam, ou seja, pelos seus atributos sociais ou pelo seu gênero.

Esse livro parece desconexo até a metade da primeira história, porém, a meu ver foi um belo artifício para mostrar o quão grande é o mundo e quão plural são suas histórias. Precisamos ler essa autora, sempre que possível, por uma perspectiva psicológica e social. Suas histórias são ferinas, cortantes como um bisturi que nos mostram camada por camada de nosso mundo, o real, não o fantástico, e quando suas intenções forem bem interpretadas serão bordoadas contundentes na cara de nossa sociedade. Não preciso concordar com tudo que ela fala, apenas me permitir olhar o mundo por meio de suas histórias, de suas alegorias e simbolismos. Independente do que acreditamos, isso sempre é uma atividade interessante no exercício de entender o outro.

O livro é bem compacto, não leva muito tempo para lê-lo, possui 148 páginas. Todo o ciclo de Terramar contém cinco livros, e espero ansioso pela publicação dos demais.

Seeyou in space cowboy.

Koudan - Professor de História, Orientador Educacional e Contista, foi membro do Núcleo de Literatura da Câmara dos Deputados  e pesquisador em História oral e Mitologia greco-romana. Amante de ficção científica e animação, e leitor ávido de quadrinhos e livros.

4 comentários

  1. Quem foi que disse que livro precisa ser grande para trazer conteúdo bom? Já ouvi falar muito da autora e do quanto ela consegue tocar o dedo na ferida com poucas páginas,mas ainda não tinha lido nenhuma resenha deste livro e nem sabia desta série!
    Não sou boa com ficção científica,sempre me perco nos enredos, mas em contrapartida, amo livros que trazem essa pegada de mexer com nossos pensamentos e sentimentos.
    Vai para a lista de desejados com certeza.
    Beijo

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    1. Olá. Tenho certeza que você não se arrependerá. ;)

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  2. Oi Koudan,
    Fantasia não tem sido o meu foco ultimamente por achar as histórias cansativas...
    Pela resenha percebo o amadurecimento dos personagens nesse segundo livro, isso é algo que me agrada, e sobre a leitura ser morna no começo, eu costumo gostar bastante quando conheço bem a ambientação do que estou lendo, acredito que ter uma visão completa dela me agrade mais!
    Pela quantidade de páginas é uma leitura bem rápida... Termino dizendo que me impressionei com a resenha, e claro, com a história.
    Beijos

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    1. Olá Vitória. Sim, uma leitura bem rápida, e envolvente. Algumas vezes me pegava triste com a vida de uma garotinha que teve a infância tomada. Grande abraço.

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