A vida que ninguém vê é a que acontece na rua, diariamente, com personagens tão anônimos quão protagonistas. É a vida acontecendo na nossa frente sem a gente ver, olhos uma cegueira viciada, admitida e condicionada, pressa de não parar, ouvir, enxergar o outro pelos olhos do outro. Eliane Brum vê. E por ver nos permite ser o outro, com palavras de força abissal que por anos fermentou as páginas de um dos jornais mais importantes do país.
A vida que ninguém vê é a que começamos a perceber a existência nos relatos poderosos que a autora reúne no livro. O material lapidado é a reunião de inúmeras crônicas/reportagens que Eliane escreveu ainda no final do século passado, semanalmente, para o período Zero Hora.
São histórias reais experienciadas na ponta afiada da existência: entre as vielas estreitas, entre as doses subentendidas de histórias que são escritas por escritores da existência cujos relatos todos nós negamos a ler. Fica parecendo que a legitimação da coluna de jornal, que levando o mesmo nome, mais tarde seria editada em livro, faz dessas odisseias humanas cotidianas um espaço onde a gente pode habitar de longe - por isso é mais seguro.
A vida que a gente vê são as histórias de Josés e Marias, Adails, Pedros. É a história do Brasil vivenciada por brasileiro de carne, osso e fome - nem sempre uma literal, é verdade, mas ainda assim fome. É o que não é contado, é o que só às vezes vira notinha de rodapé, é o que a gente ver se enxergar todos os dias na cidade - porque embora todos os causos aconteçam na região Sul, mais especificamente no Rio Grande do Sul, eles acontecem também perto de nós.
Eliane Brum construiu sua carreira de jornalista e escritora com mãos ávidas por dar o devido lugar de protagonismo dessas histórias. Histórias de gente tão comum quanto extraordinário, relatos que são ignorados pela dinamicidade e exasperação de um jornalismo apressado. Ela é calma e observância, e é por isso que emociona e machuca: faz, nem que por breves momentos (mas sigo acreditando que não apenas) o leitor olhar pro lado, ver além, abraçar o desconhecido da incontestabilidade de vidas que parecem fadadas a um espaço que não cabe na memória pátria.
A vida que ninguém vê é isso: o que a gente começa a enxergar com os olhos da autora. São relatos que se reinventam em cada, em conjunto, personagens ligados por fios existenciais de uma mesma condenação. A inviabilidade.
É uma ótimo oportunidade que Eliane nos dá de ver o que a nossa pressa ignora. Não passe batido por ele e espero que sua experiência seja tão enriquecedora quanto foi a minha.
Uma repórter em busca dos acontecimentos que não viram notícia e das pessoas que não são celebridades. Uma cronista à procura do extraordinário contido em cada vida anônima. Uma escritora que mergulha no cotidiano para provar que não existem vidas comuns. O mendigo que jamais pediu coisa alguma. O carregador de malas do aeroporto que nunca voou. O macaco que ao fugir da jaula foi ao bar beber uma cerveja. O álbum de fotografias atirado no lixo que começa com uma moça de família e termina com uma corista. O homem que comia vidro, mas só se machucava com a invisibilidade.
Essas fascinantes histórias da vida real fizeram sucesso no final dos anos 90, quando as crônicas-reportagens eram publicadas na edição de sábado do jornal Zero Hora. Reunidas agora em livro, formam uma obra que emociona pela sensibilidade da prosa de Eliane Brum e pela agudeza do olhar que a repórter imprime aos seus personagens - todos eles tão extraordinariamente reais que parecem saídos de um livro de ficção.
Eu como boa amante das letras, acredito que a coisa mais verdadeira que aja são as pessoas.Cada um com sua história, sua carga de emoções, seus medos, alegrias.
ResponderExcluirE é no anonimato que viramos artistas no nosso palco da vida.
Como não conhecia o livro, estou aqui encantada com tudo que li acima. Um certo lirismo em sua resenha que me encantou.
Sou fã da vida, das pessoas e de suas histórias.
O livro vai para a lista de desejados com certeza e só fiquei intrigada com uma coisa:os motivos do macaco ter fugido da cela e ter ido tomar uma cerveja. No mínimo, davam isso a ele né? Fiquei curiosa. rs
Beijo
Oi Ronaldo!
ResponderExcluirAntes de tudo queria fazer um comentário sobre a capa, senti uma relação muito forte com o titulo e com o livro em si. Aquelas milhares de pessoas que passamos nas ruas e que nem notamos por estarmos tão concentradas nas nossas próprias vidas.
Que bacana a iniciativa de transformar todos aquelas crônicas/reportagens em um livro, e de levar alguns acontecimentos que aconteceram ainda no final do século passado e em uma cidade específica para o Brasil inteiro, pois continua sendo fatos que podem acontecer mesmo em 2018 e em todas as cidades ou países, e principalmente que as pessoas continuam desconhecendo. Eu por exemplo nunca em vida imaginei um macaco fugindo da cela e indo pra um bar tomar cerveja (sério continuo sem imaginar auhauhauha). Tem coisas que a gente até imagina que aconteça, tipo um carregador de malas de um aeroporto que nunca voou, mas nunca para pra pensar nisso.
Acho que o livro expande essas histórias consideravelmente para o público, o que provavelmente é a ideia da autora. E com certeza ele faz destaque para a inviabilidade.
Eu gostei muito e fiquei com vontade de ler porque primeiro eu adoro ler ou ver vídeos ou procurar sobre algumas histórias que nunca imaginei que poderiam acontecer e também nunca parei pra enxergar, e que estão nos lugares mais próximos do que eu imaginei, como no aeroporto ou em um algum bar.
Bjs
Ronaldo!
ResponderExcluirAcho muito interessante livros escritos por jornalistas, eles parecem ter uma visão diferenciada de nós, pessoas comuns e ainda conseguem impingir sua marca, seja através do texto ou de seus comentários.
Acredito que o livro seja uma compilação de momentos observados de uma ótima mais profissional e pessoal, trazendo experiências verídicas e que devem ser enriquecedoras.
Tenho a mania de observar as pessoas. Por vezes me sentei em uma mesa no shopping, perto da escada rolante, apenas para observar as pessoas, mas de longe tenho o poder da escrita da autora...
“Os lírios não bastam. As leis não nascem das flores. Meu nome é luta, e escreve-se na história.” (Luciana Maria Tico-tico)
cheirinhos
Rudy
TOP COMENTARISTA MARÇO: 3 livros + vários kits, 5 ganhadores, participem!
BLOG ALEGRIA DE VIVER E AMAR O QUE É BOM!