Eu, Robô - Isaac Asimov, por Koudan


Façam por cinco segundos a seguinte reflexão: imagina o futuro dentro de uns cinquenta anos... Pronto? Ok, vamos lá. Bom, imagino que os mais pessimistas devam ter pensado num apocalipse zumbi, meteoro ou algo que venha exterminar ou quase extinguir os humanos da face da Terra. Outros, provavelmente, imaginaram uma tecnologia soberba com robôs e tudo mais. Confesso, estou entre os que pensaram a segunda opção, e mesmo aqueles que não tiveram os melhores dos pensamentos, vislumbram, de certa forma, uma “visão” do futuro em que as máquinas e robôs estarão muito mais presente nos auxiliando nas mais diversas tarefas. Chegamos ao ponto que eu queria.

De modo geral, toda ideia que compartilhamos sobre robôs humanoides nós devemos a um escritor que trabalhou melhor esse tema na literatura – Isaac Asimov.  Nascido na Rússia Soviética migrou muito jovem para os Estados Unidos, radicando-se americano.

Vamos começar por um de seus mais célebres livros: Eu, Robô. Antes de prosseguirmos, cabem duas ressalvas. Percebam que em momento algum eu disse que foi ele quem criou a ideia de robô; essa concepção lhe é anterior, inclusive na literatura e o outro ponto é, não farei menção ao filme de 2004, de mesmo título.
O livro é composto de nove contos interligados, possui aquela dinâmica narrativa do cinema americano muito explorada nos anos 70 e 80, em que outras histórias se desdobram de uma conversa ou situação comum, e neste caso, trata-se de uma entrevista com uma das personagens mais conhecidas do universo do Asimov, a Drª Suzan Calvin, a famosa psicóloga de robôs.

Parece esquisito falar em psicóloga de robô, levando em consideração que psicólogos existem para tratar de problemas relacionados à complexidade do cérebro humano, mas a ideia não fica estranha se pensarmos que os robôs também possuem um cérebro; um cérebro positrônico pré-programado para tarefas determinadas e capaz de aprender novas funções. E o mais importante, ele é construído sobre diretrizes rígidas para a convivência e submissão para com os seres humanos, conhecida como as três leis da robótica:

1 – Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2 – Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.
3 – Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e a Segunda Lei.

É fascinante ver como essas três leis possibilitam uma infinidade de desdobramento possível nas histórias desse autor. Pelo pequeno número, muitos podem pensar erroneamente que por serem robôs, não há como desenvolver tramas complexas por se tratarem de máquinas, e por isso mesmo, deve ser algo enfadonho, mecânico, instrumentalizado e metódico. Mas aí é que está a beleza desses contos. Os robôs possuem as três leis, mas não os humanos. Não possuímos diretrizes rígidas, o mais próximo seria nossa moral, o que é relativo, e isso nos tornam imprevisíveis, mas os robôs devem a todo custo, se manterem fiéis às suas leis por constituírem parte de sua “personalidade”, surgindo as mais inusitadas das situações.

Não seria prudente comentar cada um dos contos desse livro para não tirar do leitor a surpresa que cada um revela. Mas alguns são dignos de serem mencionados.

O primeiro conto de nome Robbie é lúdico. Embora a história se passa num futuro distante, nos soa como qualquer história contada pela tia Maricota no jardim de infância. Trata-se de um robô babá cuja missão é cuidar de uma garotinha chamada Gloria, até sua mãe começar a se preocupar com o que as pessoas pensariam. Afinal, o robô não era mais considerado uma novidade, e alguns preconceitos sobre eles eram disseminados na sociedade terrestre. Pois bem, a mãe por insistência faz com o que o pai se desfaça de Robbie, gerando um problema de comportamento na menina que a mãe teima em não enxergar. A solução foi se desfazer do amigo mecânico em troca de um cãozinho, o que não agrada a menina. É um conto introdutório e despretensioso, mas bem tocante.

Outro bem interessante é o Mentiroso. Esse conto mostra a postura de um robô chamado Herbie que possui um erro de fabricação em seu cérebro positrônico e é capaz de ler a mente humana. Não imagino ato mais violador da privacidade humana que ler seus pensamentos. A trama se desenvolve com o robô tendo que lhe dá com os anseios e ambições humanas sem desconsiderar as três leis.  Interessante o desfecho desse conto.

Agora o conto auge do livro, é o Prova. Os argumentos trabalhados nesse conto são fantásticos. A dúvida levantada sobre um político, extremamente produtivo, que nunca era visto comendo ou bebendo, só poderia tratar-se de um robô. O que gera um reboliço na sociedade e percebemos a importância da psicóloga.

Recomendo atenção para mais dois contos caso estejam interessados em se aprofundar no universo de Asimov. Esses contos o situarão nos próximos livros, fazendo o entender inclusive o cenário da célebre trilogia desse autor – Fundação. São Fuga e Conflito evitável. No primeiro um cérebro positrônico desenvolve a viagem de salto hiperespacial e o último e um pouco cansativo, é mais uma justificativa para o mundo das máquinas. Asimov foi um escritor não somente de ficção científica, mas de romances históricos e comédias, e percebemos como são profícuos seus escritos. Ele faz uma análise histórica e econômica do mundo nos últimos milênios de um ponto de vista bem marxista. Para o autor, o mundo continua sendo capitalista, pois os robôs se justificam pela viabilidade econômica e exploração do Universo e permanência da raça humana, o que faz muito sentido inclusive em nossa realidade.

Muitas são as leituras possíveis nesse clássico, mas nenhuma delas tira o prazer das histórias contadas de forma tão objetiva. Alguns conceitos tecnológicos, embora não existente na época do autor, são mencionadas nos contos e não lhe soarão estranho: a comunicação por bluetooth, wireless,infravermelho ou internet. Mesmo não usando esses nomes, ele as explicam e fica fácil entender o que ele está querendo dizer.
Vale mencionar também, que as histórias se passam num momento em que a humanidade explora economicamente o sistema solar, onde as atividades robóticas são necessárias por não exporem os homens em risco.

Asimov criou todo um universo por meio de seus contos de robôs, conseguindo notoriedade no gênero, havendo até mesmo uma revista com seu nome, nas quais difundiam informações científicas pelos contos, inclusive de brasileiros (as distribuídas no Brasil).
Espero que tenham gostado. Esse autor é um dos melhores no gênero ficção científica.

See you in space cowboy.


Koudan - Professor de História, Orientador Educacional e Contista, foi membro do Núcleo de Literatura da Câmara dos Deputados  e pesquisador em História oral e Mitologia greco-romana. Amante de ficção científica e animação, e leitor ávido de quadrinhos e livros.

6 comentários

  1. Olá, Koudan!

    O meu primeiro contato com as três leis de Asimov foi quando assisti o filme O Homem Bicentenário, quando no início, o robô interpretado pelo Robin Williams mal sai da caixa e fala essas três leis em uma apresentação bem barulhenta. Quando vi o filme, eu não conhecia o Asimov e não tinha noção que sua obra, de tão popular e conceituada, iria servir de base para outras obras de ficção científica e até mesmo para os conceitos que quem mexe com robótica tem sobre os robôs, como se fosse uma constituição.
    E essas três leis realmente podem gerar boas histórias com uma forte dose de filosofia, já que um robô não pode matar um humano, seja por eutanásia ou sobrevivência, mas pode ser morto para salvar seu dono.
    Por isso, Isaac Asimov não só prevê parte da tecnologia do nosso tempo, mas também prevê nosso futuro, principalmente a nossa relação com a tenologia e com o que é diferente, já que os robôs acabam sendo alvo de preconceito no livro do mesmo modo que pessoas de outros países e religiões sofrem nos dias de hoje. Por isso, continua sempre sendo atual.

    Um abraço!

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    1. Olá Letiolive. Bem observado, filosofia e religião são bem exploradas nas histórias de Asimov, há um conto desse livro que segue bem essa linha e seu final é irônico.

      Valeu pela contribuição e até a próxima.

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  2. Tudo é possível em se tratando de futuro, é só olhar pra trás e perceber quanta mudança já houve em cerca de 30 anos, claro que muitas delas ainda nos trarão consequência bem drásticas e levem a um futuro próximo dos que vemos nos livros...

    Ainda não li nada do autor, mas é inegável o quanto falam bem!!

    Beijo, Vanessa Meiser - Retrô Books
    http://balaiodelivros.blogspot.com.br/

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    1. Oi Vanessa. Caso não queira começar por um livro, recomendo um conto fácil de ser encontrado na internet, chama-se: A última questão. Vai dá pra você ter uma ideia da linha narrativa dele.

      Grande abraço.

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  3. Eu li apenas um livro do Asimov sonhos de robô, mas foi o suficiente para me apaixonar por esse autor. Eu, robô eu tenho e coloquei na minha meta de leitura de 2016. Abraços

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    1. Isso aí Leila, vamos honrar nossas listas de leitura esse ano.

      Abraço.

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