Uma coluna para chamar de minha, com Vivi Lima

Demorou muito até que eu descobrisse a fome que me cabe. Demorou muito para que, ao descobri-la, eu pudesse saciar-me dessa falta. Eu tenho fome de sal. Não o sal de cozinha. Apesar de ser uma consumidora exagerada dessa substância, não é desse sal que estou falando. Mas do sal que representa as coisas espirituosas. Estou falando da graça e da finura que compõem a realidade de estar vivo.  Estou falando do tempero da vida. O que dá sabor a sua vida? O que faz a vida valer a pena?

Recentemente, li uma dessas frases cujo efeito tem o poder de gerar um alerta de acorda dentro da consciência. “O oposto da vida não é a morte, é a indiferença” disse o escritor, ganhador do prêmio Nobel da Paz, Elie Wiesel.  E não é que a indiferença e os seus correlatos (apatia, descaso, desinteresse, desdém) são mesmo a coisa mais sem sal que já vi nessa vida? Tenho visto tanta gente em processo de desbotamento, extinguindo-se lentamente porque se alimenta dessa dieta restrita, composta tão somente de escolhas que negam a vida.  O que vejo de gente se alimentando somente de feiura não está no gibi.  E o que é pior: as pessoas habituaram-se à feiura moral e espiritual. Egos inflados, ouvidos endurecidos, olhos fechados... a continuar assim, caminharemos rumo a uma nova idade das trevas.  E quando penso nas coisas que enfeitam a vida, ah, meus caros, também penso que as trevas não são dignas desse tempo.

Se estamos a ficar impassíveis e impotentes, é preciso tirar as lentes da inércia. Mudar o nosso modo de ver. Se há uma frase que carrego comigo sempre, é essa: ver é um ato de escolha. Isso é libertador. Porque livra-nos de nos tornamos reféns da situação.  Por que ver com consciência é ter sensibilidade para enxergar que a realidade não é absoluta.  Sendo assim, dada a situação, é mais producente e espirituoso, um exame  sincero acerca de onde estamos e de onde poderíamos estar, sem a sobrecarga da negatividade. Negatividade para quê? Se “nada é fixo. Nem mesmo a fossa”, como  bem escreveu a dramaturga Susan Glaspell.

Pense nisso.

Estamos diante de um mundo cada vez menos. Estamos com carência de água e, a meu modo de ver, há uma conexão intrínseca entre sequidão física e a sequidão moral e espiritual que, infelizmente, nos dias de hoje, grassam rapidamente. Falta consciência. Falta sal. Falta vida. Puro desperdício, pois a vida é um manancial que não deve secar em vão.

Todo esse prelúdio foi para apontar o livro que escolhi como ganhador do Oscar de melhor livro do ano: O sal da vida – o que faz a vida valer a pena, de Françoise Héritier. Livro pequeníssimo, que apresenta uma lista composta de coisas agradáveis que, pura e simplesmente, substanciam o quanto é maravilhoso seguir vivendo. Um livro simples, mas que não resvala em uma leitura rasa. Muito pelo contrário, o mérito e a qualidade da obra está em colocar em evidência o valor  incomensurável e sagrado da vida.  Creio ser um livro cujo impacto estende-se para além da leitura. Pois, no fim das contas, o leitor atinará para o seu conteúdo interativo, uma vez que a experiência positiva da autora é também um convite para que tomemos parte dessa busca por um olhar ampliado acerca do que nos acontece. Resumo da ópera: o leitor acaba por construir a sua lista pessoal também. 

Eu tenho feito a minha lista. Quando não dá para escrevê-la, apelo à via dos pensamentos. Pois, independente de teclado ou papel e caneta, o que importa é focar no estado de gratidão. O que tenho descoberto é que a gratidão passa a ser sobrepor ao pedir. Não que pedir seja algo ruim. Mas aprendi que a fome que existe em mim se alimenta do que está dentro de mim, de modo que reconhecer que já tenho tudo o que preciso me coloca onde quero estar: satisfeita, feliz e consciente, e bem distante das vãs ilusões.

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6 comentários

  1. Uau que texto, simplesmente magnífico!
    Fiquei focada, concentrada e completamente arrebatada por esse texto, por essa escrita. Maravilhoso!
    Estou apaixonada pelo modo como você prendeu minha atenção, e isso só me fez ter vontade de ler o livro, o modo como você escreveu me fez querer mais do que nunca apreciar essa leitura. Amei!
    Beijos

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  2. Parabéns!!!! Texto muito bem escrito, mostra a profundidade do assunto... Muito intenso e tocante, realmente mexeu comigo. Vontade de ler o livro:)

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  3. Obrigada, Claudia e Giselle! Espero que gostem da leitura. Bjs

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  4. Eita Vivi!
    Arrasou!
    Temos de ter Sal na vida!!!
    Busco sempre, mesmo com todas as intempéries que a vida nos impõe, tentar a melhor solução para minha felicidade e sanidade, claro.
    Não como sal no dia a dia, porém, banho-me de sal para viver!!
    Parabéns!
    Tenha uma semana de sucesso!
    Cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

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    1. É isso aí, Rudynalva! Belas e sábias as suas palavras. Bjs!!!!

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