Hoje com vocês mais um livro nota 10, um clássico que será apresentado por Monica Carneiro. Fique à vontade, o espaço é seu!
Com vocês...
Livro: Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago
Resenha
"O Romance Ensaio sobre a cegueira inicia com uma epígrafe retirada do imaginário Livro dos Conselhos:
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.
O fragmento surge como um prenúncio, levando o leitor a conhecer, antecipadamente, as características da obra que tem a mão: o tema, “visão” atribuída ao “ver”, numa dimensão mais profunda que o olhar, na intenção de observar, corrigir, remediar. As últimas palavras do médico, no penúltimo parágrafo do livro, reforçam a epigrafe: “Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos, que, vendo, não vêem”. leia mais
A cegueira que afeta a sociedade é uma cegueira branca, uma luz forte, que não impede que olhem, mas que eles enxerguem através dela. Na verdade, o povo estava cego antes da cegueira branca, mas não o sabiam. Agora a claridade intensa os obriga a verem o outro sem enxergá-lo. O fio condutor do romance é sempre essa alegoria que leva não só as personagens como também o leitor a refletirem sobre as relações entre o individual e o coletivo, acendendo a luz para a solidariedade.
Alguns aspectos no livro ferem as instituições humanas, e vão além da desconstrução da honra e da dignidade que se abate gradativamente sob os personagens, é quando ocorre o apagamento do tempo, do espaço e da identidade. O tempo é um ícone essencial ao homem, dele depende seu presente, passado, futuro: a sua história. No romance, este tempo, é absorvido pela luz da cegueira, a percepção do tempo se faz sentir apenas na memória de cada um. Não há dia, noite, data, hora, os fragmentos do tempo tornaram-se irrelevantes. O espaço onde ocorre a tragédia também não é informado, assim não há referência de região ou país. O lugar em que o povo ocupa, trabalha e vive foi extraído, desta forma, o homem se torna um ser sem história, sem tradição, já que é do seu espaço que depende sua cultura, o conhecimento de si mesmo, suas referências mais íntimas. Já à identidade, símbolo individual do homem, foi apreendida pelo mal branco, as pessoas passaram a não serem mais o que pensavam ser, e o medo de serem o que eram superava o medo do estado em que estavam, desta forma, passaram a ser identificadas por outros meios: pelas profissões que exerciam antes de ficarem cegas, pelas relações de parentesco ou por traços físicos marcantes. Ao assumirem que os nomes são desnecessários ao seu relacionamento na quarentena, as personagens deixam implícita a trajetória que teriam de seguir, na descoberta dolorosa do eu e do outro. Com o passar dos dias, as máscaras sociais deixam de ser importantes e necessárias na instância de vida dos cegos na camarata.
Os códigos sociais, assim como os nomes, começam a se perder em um mundo governado pelos sentidos. Uma babel de indivíduos sem história, sem cultura e sem individualidade, e de naturezas tão distintas quanto às suas origens, fatores que dão à mulher do médico a impressão que a distância que separam os seres no mundo exterior se encurtara e a diversidade de problemas que afligem os homens se resumem no instinto de sobrevivência. Essa sensação se resume a uma frase: ""O mundo está todo aqui dentro"". São esses instintos primordiais do homem que revelam aos cegos que os disfarces sociais se fazem desnecessários no mundo, o qual agora vivem; o homem é o que é. Assim, ante a necessidade de estabelecer uma ordem na distribuição da comida, a fim de evitar trapaças, e mediante a afirmação de um dos cegos de que estão a lidar com gente honesta, alguém retruca: ""Ó cavalheiro. O que somos de verdade aqui é pessoas com fome"".
Saramago deixa sua marca em muitas características do livro como a desconstrução do espaço e do homem. Isso acontece em toda a sua obra, mas outra marca também é percebida na construção dos personagens onde ele consegue colocar o leitor, do narrador e do escritor como participantes da narrativa, estes atuam ativamente em todo o percurso do livro, todos refletindo enquanto cidadãos do mundo, na história da humanidade.
O narrador e o leitor estão no enredo em todos os momentos do discurso, são eles integrantes e sobreviventes do horror da cegueira branca, ambos guiados pela mulher do médico e com ela travaram, por várias vezes, sutis diálogos dignos de atenção pela profundeza das mensagens. “Somos todos passageiros”, como diz o escritor (por ele mesmo). E sobre o escritor, ele escreve a sua própria história de desconhecimento, alienação e desesperança.
A verossimilhança presente no livro reforça a alcunha de visionário atribuída a José Saramago. O livro é um feixe de violência contra o homem e seus costumes mais íntimos e o autor não poupou o leitor de seus alvos mais grotescos. Nas camaratas, os animais, aos quais os homens se tornaram, estavam protegidos pela estrutura física e fiscal, no entanto ao saírem estavam expostos ao mundo, que se tornou um verdadeiro caos, lembrando alguns momentos trágicos da atualidade como a que abateu o Golfo do México com o furacão Katrina que destruiu a cidade de Nova Orleans, em 2005, ou ainda o terremoto do Haiti no início deste ano, ambos deixando milhares de mortos. As imagens mostradas pela mídia pareciam cinematográficas, ou ainda, o livro Ensaio sobre a cegueira, animais e pessoas mortas espalhados pelas ruas e montanhas de lixos e destroços sendo saqueado pelos sobreviventes famintos, sedentos e cansados de esperarem por resgate, em meio ao mau cheiro dos corpos em putrefação lutavam para sobreviver, ouvindo das autoridades que não teriam tolerância com aqueles que tentassem tirar vantagem da catástrofe.
Tudo isso nos leva a crer, que a tragédia da cegueira coletiva do romance de José Saramago é uma mensagem ao leitor de que não se deve reger a vida com racionalidade, e enquanto usamos a razão contra o senso estamos contra a própria existência. Alerta para que, não pode haver argumentos que nos separe do respeito humano, pois a solidariedade não deve ser exceção, mas regra. O romance lembra ainda, que a inteligência humana se comporta às cegas e não sabe aonde vai nem quer sabê-lo. Pode-se concluir ainda que, nos falta muito para chegar a sermos, autenticamente, humanos e que para isso devemos mudar a direção do nosso caminho. "
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.
O fragmento surge como um prenúncio, levando o leitor a conhecer, antecipadamente, as características da obra que tem a mão: o tema, “visão” atribuída ao “ver”, numa dimensão mais profunda que o olhar, na intenção de observar, corrigir, remediar. As últimas palavras do médico, no penúltimo parágrafo do livro, reforçam a epigrafe: “Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos, que, vendo, não vêem”. leia mais
A cegueira que afeta a sociedade é uma cegueira branca, uma luz forte, que não impede que olhem, mas que eles enxerguem através dela. Na verdade, o povo estava cego antes da cegueira branca, mas não o sabiam. Agora a claridade intensa os obriga a verem o outro sem enxergá-lo. O fio condutor do romance é sempre essa alegoria que leva não só as personagens como também o leitor a refletirem sobre as relações entre o individual e o coletivo, acendendo a luz para a solidariedade.
Alguns aspectos no livro ferem as instituições humanas, e vão além da desconstrução da honra e da dignidade que se abate gradativamente sob os personagens, é quando ocorre o apagamento do tempo, do espaço e da identidade. O tempo é um ícone essencial ao homem, dele depende seu presente, passado, futuro: a sua história. No romance, este tempo, é absorvido pela luz da cegueira, a percepção do tempo se faz sentir apenas na memória de cada um. Não há dia, noite, data, hora, os fragmentos do tempo tornaram-se irrelevantes. O espaço onde ocorre a tragédia também não é informado, assim não há referência de região ou país. O lugar em que o povo ocupa, trabalha e vive foi extraído, desta forma, o homem se torna um ser sem história, sem tradição, já que é do seu espaço que depende sua cultura, o conhecimento de si mesmo, suas referências mais íntimas. Já à identidade, símbolo individual do homem, foi apreendida pelo mal branco, as pessoas passaram a não serem mais o que pensavam ser, e o medo de serem o que eram superava o medo do estado em que estavam, desta forma, passaram a ser identificadas por outros meios: pelas profissões que exerciam antes de ficarem cegas, pelas relações de parentesco ou por traços físicos marcantes. Ao assumirem que os nomes são desnecessários ao seu relacionamento na quarentena, as personagens deixam implícita a trajetória que teriam de seguir, na descoberta dolorosa do eu e do outro. Com o passar dos dias, as máscaras sociais deixam de ser importantes e necessárias na instância de vida dos cegos na camarata.
Os códigos sociais, assim como os nomes, começam a se perder em um mundo governado pelos sentidos. Uma babel de indivíduos sem história, sem cultura e sem individualidade, e de naturezas tão distintas quanto às suas origens, fatores que dão à mulher do médico a impressão que a distância que separam os seres no mundo exterior se encurtara e a diversidade de problemas que afligem os homens se resumem no instinto de sobrevivência. Essa sensação se resume a uma frase: ""O mundo está todo aqui dentro"". São esses instintos primordiais do homem que revelam aos cegos que os disfarces sociais se fazem desnecessários no mundo, o qual agora vivem; o homem é o que é. Assim, ante a necessidade de estabelecer uma ordem na distribuição da comida, a fim de evitar trapaças, e mediante a afirmação de um dos cegos de que estão a lidar com gente honesta, alguém retruca: ""Ó cavalheiro. O que somos de verdade aqui é pessoas com fome"".
Saramago deixa sua marca em muitas características do livro como a desconstrução do espaço e do homem. Isso acontece em toda a sua obra, mas outra marca também é percebida na construção dos personagens onde ele consegue colocar o leitor, do narrador e do escritor como participantes da narrativa, estes atuam ativamente em todo o percurso do livro, todos refletindo enquanto cidadãos do mundo, na história da humanidade.
O narrador e o leitor estão no enredo em todos os momentos do discurso, são eles integrantes e sobreviventes do horror da cegueira branca, ambos guiados pela mulher do médico e com ela travaram, por várias vezes, sutis diálogos dignos de atenção pela profundeza das mensagens. “Somos todos passageiros”, como diz o escritor (por ele mesmo). E sobre o escritor, ele escreve a sua própria história de desconhecimento, alienação e desesperança.
A verossimilhança presente no livro reforça a alcunha de visionário atribuída a José Saramago. O livro é um feixe de violência contra o homem e seus costumes mais íntimos e o autor não poupou o leitor de seus alvos mais grotescos. Nas camaratas, os animais, aos quais os homens se tornaram, estavam protegidos pela estrutura física e fiscal, no entanto ao saírem estavam expostos ao mundo, que se tornou um verdadeiro caos, lembrando alguns momentos trágicos da atualidade como a que abateu o Golfo do México com o furacão Katrina que destruiu a cidade de Nova Orleans, em 2005, ou ainda o terremoto do Haiti no início deste ano, ambos deixando milhares de mortos. As imagens mostradas pela mídia pareciam cinematográficas, ou ainda, o livro Ensaio sobre a cegueira, animais e pessoas mortas espalhados pelas ruas e montanhas de lixos e destroços sendo saqueado pelos sobreviventes famintos, sedentos e cansados de esperarem por resgate, em meio ao mau cheiro dos corpos em putrefação lutavam para sobreviver, ouvindo das autoridades que não teriam tolerância com aqueles que tentassem tirar vantagem da catástrofe.
Tudo isso nos leva a crer, que a tragédia da cegueira coletiva do romance de José Saramago é uma mensagem ao leitor de que não se deve reger a vida com racionalidade, e enquanto usamos a razão contra o senso estamos contra a própria existência. Alerta para que, não pode haver argumentos que nos separe do respeito humano, pois a solidariedade não deve ser exceção, mas regra. O romance lembra ainda, que a inteligência humana se comporta às cegas e não sabe aonde vai nem quer sabê-lo. Pode-se concluir ainda que, nos falta muito para chegar a sermos, autenticamente, humanos e que para isso devemos mudar a direção do nosso caminho. "
Defina o livro com uma palavra:
- Fascinante
Ler e o melhor lazer é um blog criado para eu expor a minha maior paixão: livros. Nele eu posto minhas resenhas, meus comentários de leitura e tudo a este assunto relacionado. Foi no blog que eu descobri um lugar maravilhoso de fazer novos amigos e de conhecer a mim mesma mais e melhor a cada dia.
Eu ainda não li o livro, já ouvi várias coisas em relação ao mesmo, mas ainda não tive o prazer de ler por mim mesma.
ResponderExcluirImagino que a leitura seja complicada devido ao estilo do autor.
Gostei da resenha Monica. Você escreve muito bem.
Beijos
Olá Leninha, muito obrigada por abrir este espaço no seu blog e a pelo carinho dos comentários.
ResponderExcluirBeijo em todas
Nossaaa... faz muito tempo que quero ler esse livro!!! Se já amei o filme, imagina oq ue vou achar do livro! rs.
ResponderExcluirAmei a resenha!! Deu mais vontade de ler! rs
Beijos
Mandinha
/minhasconfissoesfemininas.blogspot.com/
Olá Leninha
ResponderExcluirExistem muitos blogs aqui na blogolândia, mas poucos se sobressaem. O seu está entre estes
Eu sou Kinha do blog Amiga da Moda e vim conhecer seu super espaço. Já estou te seguindo. Vou aguardar sua visita e ficarei feliz se me seguir também.
Bjooooooooooooooo.....................
www.amigadamoda1.com
Olá, Leninha.
ResponderExcluirA cada vez fico mais encantada com as novidades desta seção.
Infelizmente, não li esse livro e nem assisti ao filme adaptado.
Minha irmã leu e disse que é maravilhoso!
Mas, por enquanto, deixarei para ler mais adiante, pela complexidade da escrita do autor.
Bem-vinda ao "Semnpre Romântica", Mônica. Adorei ver os seus comentários aqui.
Beijos.